Por Cezar Taurion
Em 28/05/2017 no site CIO
Recentemente um artigo me chamou a atenção: “An Australian fund manager who runs $50 billion says Uber is a ponzi scheme and is 99% sure to be broke in a decade”, de Hamish Douglass, co-fundador Magellan Financial Group, que administra um fundo de mais de 37 bilhões de dólares. No artigo, ele afirma que o Uber tem menos de 1% de chance de sobrevivência. “A chance do Uber quebrar é de 99% na próxima década”, argumenta.
Também sustenta que o modelo do Uber é facilmente copiado e, portanto, com baixa barreira de entrada, tendo vários concorrentes de peso. Na China, o Uber saiu do mercado por conta do Didi Chuxing. Nos Estados Unidos, o Lyft tem ganhado espaço, e aqui no Brasil, temos a espanhola Cabify, e as brasileiras Easy, 99 e recentemente a Lady Driver, como competidores diretos do Uber.
Além disso, o Uber vem acumulando perdas. Seu prejuízo em 2016 ficou em torno de US$ 2,8 bilhões. Vários artigos comentam isso, como “Uber can’t stop losing Money” que coloca em dúvida o modelo de operação e gestão do Uber.
Isso significa que a ideia de compartilhamento de carros é uma furada? Pelo contrário. Vemos a indústria automotiva dando seus primeiros passos em direção a este modelo. O carro compartilhado é impulsionado pela ascensão dos carros autônomos. A Ford, por exemplo, trocou seu CEO exatamente para acelerar a fabricação de veículos autônomos. A matéria “Ford names Jim Hackett as new CEO in push to build self-driving cars” mostra claramente a estratégia.
Mas não são somente os carros que tendem a ser compartilhados. A “sharing economy” ganha tração. O exemplo da cidade de Amsterdam ( “ Forget Uber, Amsterdam is showing how to use the sharing economy for good”) sinaliza claramente esta tendência.
O que o exemplo do Uber nos ensina? Que devemos prestar atenção à disrupção e não ao disruptor. A empresa disruptora pode desaparecer, mas a ideia que ela trouxe vai ficar, assim como as ideias de muitas outras empresas disruptoras que hoje impuslionam a “sharing economy”.
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O conceito da “economia compartilhada” tem impactos significativos nas empresas e nos seus modelos de negócio. Entretanto, muitas vezes estas mudanças no cenário de negócios passam meio despercebidas, pois no dia a dia corporativo, concentramos toda a atenção no cenário que conhecemos e que vemos, e não percebemos as mudanças sutis que ameaçam o modelo de negócio estabelecido.
Clayton Christensen em seu em seu livro “The Innovator´s Dilemma”, de 1997, já afirmava que muitas empresas fracassam exatamente porque fazem tudo certo e que mesmo uma gestão brilhante não consegue defender um negócio estabelecido contra as tecnologias de ruptura.
Um exemplo de pensar diferente, vem do livro ”O Poder do Pensamento Matemático”, de Jordan Ellenberg. Ele conta que na Segunda Guerra Mundial, os americanos tinham criado um Grupo de Pesquisa Estatística (SRG, em inglês) que uma vez se defrontou com uma questão interessante. Os militares americanos queriam blindar seus aviões contra os caças inimigos. Mas a blindagem tornava as aeronaves mais pesadas e aviões mais pesados são mais difíceis de manobrar e gastam mais combustível.
Blindar demais ou de menos seriam problemas. Qual seria o ponto ideal? Os dados coletados e mostrados ao SRG mostravam que quando os aviões voltavam de suas missões estavam cobertos de furos de balas, mas os danos não eram distribuídos uniformemente. Havia muitos furos na fuselagem e quase nenhum nos motores. Parecia fazer sentido blindar a fuselagem. Mas, pensemos de forma alternativa! A blindagem, segundo Abraham Wald, um matemático do SRG, não deveria ir onde os furos de bala estavam, mas onde não estavam. A sua sacada foi simplesmente perguntar: onde estavam os furos das balas que faltavam? Eles estavam nos aviões que não voltaram. A razão dos aviões voltarem com poucos pontos atingidos nos motores era que os muito dos atingidos simplesmente não voltavam. A blindagem deveria, portanto, ser feita nas partes onde não havia furos.
Isso se aplica ao cenário corporativo. Já estamos visualizando um movimento de mudanças que pode ser muito impactante, mas ao qual não estamos dando a devida atenção. É a “sharing economy”. Observo nas conversas com executivos que as empresas têm dado muito pouca atenção a este fenômeno, e os casos do Uber e Airbnb são vistos mais como curiosidade e não como sinal de eventuais mudanças nos modelos de negócios.
Aliás, até a definição de “sharing economy” é problemática, não havendo consenso sobre o que seja realmente. O fato, é que empresas que construíram seus modelos de negócio com base na “sharing economy” estão afetando alguns negócios bem estabelecidos.
Este modelo econômico do compartilhar, aproveitar equipamentos, recursos e horas de pessoas, hoje subutilizados, anda de mãos dadas com a crescente consciência ambiental da sociedade e com a constatação que dificilmente o crescimento econômico do mundo nos próximos anos será igual ao de antes da crise de 2008.
Uma pesquisa feita há poucos anos nos EUA mostrou que 81% das pessoas concordam que é muito mais barato compartilhar bens que possui-los individualmente. Creio que este pensamento faz todo sentido aqui no Brasil também.
Outro fator impulsionador é a conveniência, possibilitada pelos apps nos smartphones. Com apps intuitivos você requisita um veículo ou aluga uma residência. Sem burocracia, sem métodos criados na sociedade industrial, mas por processos inteiramente conduzidos nos meios digitais.
A base da economia do compartilhar é a reputação. Pesquisas feitas nos EUA e até na Europa mostraram que 64% das pessoas acreditam que a regulação pela própria sociedade (“peer regulation”) é mais importante e eficaz que a imposta pelos governos. Aliás, pesquisas têm constantemente mostrado que a esmagadora maioria das pessoas acredita mais na opinião e recomendação de amigos e da família do que qualquer outro meio de propaganda.
Com a disseminação das plataformas sociais, como Facebook e Twitter, a sociedade poderá passar a ter mais controle sobre uma marca do que a própria marca.
A “sharing economy” tem potencial de afetar todos os setores de indústria. Em todos os setores existem condições de desintermediação, compartilhamento do excesso de capacidade e do aumento da produtividade.
Portanto, que tal pensarmos em reexaminarmos nosso negócio e vermos se o conceito de compartilhamento não faz sentido? A “sharing economy” pode afetar espaços pouco usados como academias, escolas e restaurantes, pode usar tempo ocioso das pessoas (cada vez menos teremos empregos formais, no futuro) e aproveitar melhor os equipamentos que ficam a maior parte do tempo ociosos, como automóveis, máquinas de lavar, furadeiras, etc.
A disrupção é inevitável. Talvez a “sharing economy” não venha afetar diretamente todos os negócios, mas tocará na maioria deles de alguma forma. Os clientes das empresas que nasceram com este modelo vão exigir experiências similares das outras empresas, em termos de conveniência e de processos digitais. É necessário, portanto, que as empresas se posicionem diante destas rupturas e a área de TI tem grande responsabilidade, pois nitidamente, este modelo só é possível pelo amplo uso da tecnologia, como mobilidade, Social Media, Cloud Computing, impressão 3D, Machine Learning e Internet das Coisas.
Em cenários cada vez mais instáveis, como as que visualizamos pela exponencialidade da evolução tecnológica, temos que pensar nossas estratégias de negócio de forma diferente. Quanto mais compreendermos os novos e desafiadores cenários, mais condições teremos para nos redirecionarmos. Novos caminhos, novos mapas.
(*) Cezar Taurion é head de Digital Transformation da Kick Ventures e autor de nove livros sobre Transformação Digital, Inovação, Open Source, Cloud Computing e Big Data
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