Por Cezar Taurion em 15/01/2018 no site CIO
Comecei a prestar atenção em Blockchain ao ler artigo de abril de 2014, “Satoshi´s Revolution: How The Creator Of Bitcoin May Have Stumbled Onto Something Much, Much Bigger”. Até aquele momento havia ouvido falar, lido alguma coisa, mas não me havia caído a ficha. Com o insight, as coisas ficaram mais claras. Sim, uma nova tecnologia sinalizava um tsunami em alto mar e seu efeito poderia ser avassalador.
Em 2016, após várias leituras, inclusive a do livro de Don e Alex Tapscott, “ Blockchain Revolution: How the Technology Behind Bitcoin is Changing Money, Business, and the World”, vi que, no fundo, havíamos captado apenas a ponta do iceberg. Assim como no início dos anos 90, ninguém imaginava a Web de hoje, e os negócios fabulosos e inovadores que dela saíram, como Google, Facebook, Amazon, Netflix, YouTube, Instagram, Uber, Airbnb e outros. O Blockchain está atualmente como estava a Internet no início dos anos 90.
Blockchain não vai provocar rupturas imediatas, mas manter o pensamento nas suas perspectivas futuras é fundamental. Se quisermos efetivamente criar novas fontes de valor, temos de entender para onde todas estas mudanças estão nos conduzindo. Já existem diversos casos de experimentações e iniciativas concretas, como o recente projeto da Kodak, tentando renascer das cinzas, com a plataforma KodakOne e a sua KodakCoin. O essencial é separar o hype da realidade.
Como todo software, ainda existem muitos pontos falhos a serem corrigidos. As aplicações de Blockchain no mundo real têm apenas alguns anos, e as suas duas plataformas mais disseminadas, Hyperledger e Ethereum, aliás, como todas as demais alternativas, não possuem maturidade, o que pode apresentar problemas imprevistos no próprio software, com potencial bugs ou mesmo erros de implementação. Mas, aos poucos, vemos aplicações Blockchain se espalhando. Se falarmos especificamente no tipo de aplicação mais comum de Blockchain, as criptomoedas, listamos mais de 1400. Curioso? Leia o artigo “There Are Over 1,000 Alternatives to Bitcoin You’ve Never Heard Of”.
Hoje, ainda temos pouca experiência coletiva e nenhuma best practicessobre Blockchain que possam nos ajudar a trilhar o caminho. Mas sabemos que mudanças exponenciais acontecem muito mais rápido do que pensamos. Um exemplo de como uma mudança exponencial é subestimada é o Human Genome Project. Foi lançado em 1990, com estimativa de ser concluído em 15 anos a um custo de US$ 6 bilhões. Em 1997, portanto na metade do prazo, apenas 1% do genoma humano tinha sido sequenciado. Pelo planejamento linear que nós adotamos, considerando o ritmo de 1% em 7 anos, levaríamos 700 anos para concluir o sequenciamento. É um pensamento lógico não? A pressão para encerrar o projeto foi imensa, mas quando levaram o desafio ao futurista Ray Kurzweil, ele disse “1% significa metade do caminho. Ele pensou exponencialmente. 1% dobrando a cada ano significa chegar aos 100% em 7 anos. O projeto foi concluído em 2001, quatro anos antes do planejado e custando muito menos que o estimado. O pensamento linear, tradicional, errou o alvo por 696 anos! Assim devemos encarar o Blockchain. Reconhecer sua imaturidade, mas entender que por ser uma tecnologia exponencial, sua evolução poderá e deverá ser muito rápida.
Claro que existe muito ceticismo e alguns chegam a apontar o fato da inexistência de uma “killer application” para comprovar a viabilidade da tecnologia como um problema. Mas, pensemos juntos. O paper de Satohi é de 2008 e apenas em torno de 2012 é que se começou a notar o potencial do Blockchain e que não se trata apenas do Bitcoin. Na verdade, talvez não seja correto falar em uma tecnologia Blockchain, pois temos inúmeras tecnologias diferentes. Blockchains seria mais correto!
Com Blockchains pode-se reinventar os sistemas financeiros para serem mais seguros, melhores e mais eficientes. Mas, mudar uma indústria de centenas de trilhões de dólares não é algo que acontece de um dia para o outro. Muitas mudanças vão ocorrer no sistema financeiro, e, claro, o sistema atual não vai aceitar mudanças sem luta! Pense que Blockchains não são apenas um novo paradigma tecnológico, que, por si, leva alguns anos para ser adotado. Blockchain é uma mudança fundamental na forma como pensamos sociedades, confiança e redes. É muito mais amplo que discussões sobre tecnologias.
Quando os carros foram inventados, eles não substituíram imediatamente todos os cavalos e trens, e remodelaram de imediato as cidades como as conhecemos hoje. Demorou décadas para encontrarmos maneiras de fabricá-los em larga escala e a preços aceitáveis, enquanto estávamos implantando, em paralelo, as tecnologias para extrair petróleo em grandes quantidades, criar postos de gasolina e abrir estradas. Foi um conjunto de inovações convergentes. Os computadores tomaram o mesmo caminho quando o primeiro transistor foi inventado. Os primeiros computadores eram de uso muito restrito, e limitado a poucas dezenas de especialistas. Para usar computadores você tinha que estar no trabalho. Não existiam terminais nas casas, só nos escritórios. Décadas depois todos nós temos um computador mais poderoso que um supercomputador dos anos 60 em nossos bolsos. No início dos anos 50 alguém imaginaria essa possibilidade?
Uma crítica comum é que hoje a mais importante implementação de Blockchain, a Bitcoin, é lenta, cara e consome muita energia e poder computacional. Mas lembremos dos primeiros dias da Internet, quando usávamos modem de acesso discado e tínhamos que esperar vários minutos para obter uma conexão de 24 Kbps. Hoje vemos tranquilamente vídeos e filmes em nossos smartphones.
Mas, indo além de criptomoedas e aplicações de Blockchain que substituam cartórios, registros de documentos, diamantes e obras de arte, que tal exploramos algo ainda embrionário, mas que pode provocar uma grande mudança nas organizações?
Falemos de DAO ou Decentralized Autonomous Organization. Uma DAO é uma combinação de código de computador, uma cadeia de blocos, contratos inteligentes e pessoas. Os fundadores de um DAO criam as regras básicas de governança de como funcionará a empresa e as pessoas se agregam a elas. Na verdade, não há hierarquia. É claro que, a qualquer momento que você reúne pessoas em um grupo, é inevitável o surgimento de políticas, mas não será a estrutura de "comando e controle" que a maioria de nós está acostumada a ver nas empresas.
As estruturas hierárquicas funcionaram muito bem em um período de mudanças mais lentas. Por outro lado, criaram fragilidades como ascendência profissional significar mais poder, controles rígidos e pouca flexibilidade para mudanças. Tendem naturalmente serem reativas à mudanças, pois qualquer mudança afeta a estrutura de poder tão arduamente conquistado. O modelo hierárquico foi criado para ser estático. As pessoas trabalham dentro de um contexto “que as coisas foram feitas assim e deverão continuar sendo assim”. É uma estrutura de comando e controle, onde o comando está nos níveis gerenciais e a execução nos níveis mais baixos, que apenas cumprem tarefas, sem maiores autonomias. Os níveis intermediários, de gerência, funcionam como “buffers”, recebendo ordens e enviando-as para baixo, filtrando os problemas que surgem embaixo, repassando apenas alguns para a alta administração. As regras são claras e desvios punidos. Inovação não é algo incentivado, a não ser em teoria ou em posters nas paredes. As estruturas criam silos, muitas vezes com objetivos conflitantes entre si, criando um cenário de “nós contra eles”, como gerência versus staff, marketing versus finanças, TI contra todos!
A concentração de poder no topo da pirâmide organizacional cria um ambiente de separação, entre os que têm poder (os que estão no topo) e os sem poder, que estão nas camadas inferiores da pirâmide. Como poder é um recurso escasso, ele é disputado ferrenhamente, muitas vezes levando a climas de tensão negativas. A luta pelo poder exacerba algumas naturezas humanas como ambição, politicagem e desconfiança, que criam ressentimentos e frustrações. É um contexto que cria paradoxos entre valores escritos e praticados. Por exemplo, uma empresa fortemente hierárquica coloca como valor “confiança e responsabilidade”, mas a estrutura faz com que apenas as pessoas nas camadas superiores saibam o que está acontecendo e o que será feito em caso de crise. Por exemplo, uma onda de demissões é decida pela casta superior enquanto, em baixo, a imensa maioria dos funcionários aguarda em suspense o que virá...Onde está a confiança e responsabilidade? Porque estes problemas não podem ser discutidos abertamente e novas ideias serem propostas por todos que serão afetados por elas?
Por que não olhar uma organização como um ser vivo, em constante evolução e adaptação, aprendendo e agindo de forma diferente a cada novo aprendizado? Um ser vivo tem suas células funcionando de forma independente, sem controle central. O fígado reage por sua conta, sem esperar ordens. Pensar em uma empresa auto gerenciável é uma quebra de paradigmas, mas não creio que exista outra alternativa para sobreviver em um mundo que muda a cada instante. Isto significa criar equipes auto gerenciáveis, que tomam suas próprias decisões. Não existe a figura do chefe, mas todos tem mesma importância no processo de decisão.
Essa é a proposta das DAO. Uma DAO tem partes interessadas, as pessoas que se agregam à elas, que possuem tokens que representam uma participação no desempenho da DAO. Essencialmente, o que essas partes interessadas querem é um aumento no valor de seus tokens, ou seja, gerar mais valor para a empresa. Sem entrar nos aspectos legais, uma DAO tem "acionistas" e não funcionários.
Em vez de um conselho de diretores e executivos seniores, os titulares de tokens (acionistas) de uma DAO têm o direito de votar "sim" ou "não" em qualquer proposta que demande decisão da organização.
Em uma DAO, em vez de ser contratado como empregado, a pessoa recebe um contrato em uma base de projeto. Após discussão entre os membros da comunidade, a proposta é votada e, quando aprovada, o trabalho começa. Cada membro de uma DAO pode enviar propostas de projetos. Depois de enviar a proposta ao DAO e os membros da comunidade votarem na pessoa que propôs para executá-la, ela passa a ser o responsável pela entrega, na data e no orçamento.
OK, digamos que você perca seus prazos, de forma sistemática. Ou, ainda, que você se comporte como um completo idiota para os outros membros da comunidade.
Em um ambiente normal de "comando e controle", a política da empresa assume o controle e seu gerente pode te despedir. Você pode eventualmente falar com a área de recursos humanos para reverter a situação. Mas, depois de muitos ressentimentos e mágoas, você acaba indo embora, deixando um clima azedo no ar.
Em um DAO, se você não honrar seus prazos ou tratar as pessoas de forma inadequada, você sabe o que acontece? Os detentores de token DAO que votaram seu contrato simplesmente retiram seus votos. Seu contrato acaba e você está excluído da DAO.
Existe outro benefício potencialmente enorme com esse modelo. Como uma DAO é organizada em torno de contratos inteligentes, e não em torno de pessoas e papéis, a flexibilidade e agilidade para inovar é enormemente aumentada.
As empresas muitas vezes falam sobre a inovação. Mas, em uma organização hierárquica, a inovação enfrenta muitas barreiras e é realmente difícil de fazer. Ideias inovadoras são difíceis de gerenciar e difíceis de executar. Em uma organização plana, a comunidade pode se reunir e "financiar" as melhores ideias, vindas de qualquer lugar.
Em um mundo DAO, você não tem chefe. Mas o que é melhor é que os desempenhos ruins e aquelas pessoas que são um arrasto na organização, são removidos de forma muito mais rápida e eficiente. Alguém não está fazendo o trabalho ou não está tratando os outros com respeito? Remova o suporte do contrato.
O que o DAO oferece é o potencial não apenas de uma melhor produtividade, mas também uma melhor experiência de trabalho para todos.
Assim como os primeiros sites não nos dersm uma visão do que se tornaria da Internet atual, as primeiras DAOs são primitivas. Existem muitas dúvidas e questionamentos. Mas isso não significa que elas não sejam as sementes de mudanças significativas no mundo das organizações. Algumas iniciativas pioneiras estão em andamento. Devemos acompanhar sua evolução. Sugiro ler “The Book of Fermat” e o texto “Fermat Distributed Governance Model”, para uma ideias das concepções básicas de uma DAO. Aqui e ali já pipocam diversos artigos e alguns deles discutem as questões de regulação, como “The Decentralized Autonomous Organization and Governance Issues”.
Sim, tudo é muito novo, mas também muito instigante. Se você está pensando em criar uma startup voltada para o desenvolvimento de software ou marketing, com base na “gig economy”, que tal pensar no modelo DAO?
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