segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

CIO - O que esperar da Inteligência Artificial a partir de 2017?

Uma coisa é certa: os entraves serão muito mais culturais e regulatórias do que tecnológicos. A IA não envolverá uma equação de soma zero, humanos versus IA, e sim humanos mais IA gerando mais inteligência

Cezar Taurion *

Publicada em 09 de janeiro de 2017 às 07h21

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O tema “inteligência artificial” ficou bem aquecido em 2016. A análise do número de leitores e compartilhamentos da coletânea “Doze artigos mais lidos em 2016 sobre Inteligência Artificial” aqui no site da CIO Brasil comprova o fato. Mas, a IA não está no foco apenas das publicações de tecnologia. Já aparece com regularidade na mídia comum. Recomendo a leitura do estudo “Long-Term Trends in the Public Perception of Artificial Intelligence” que mostra como o tema já está aparecendo muito mais intensamente nos jornais e revistas.
Os principais fornecedores de tecnologia estão se movimentando rapidamente em adquirir experiência, muitas vezes comprando startups que acelerem seu ciclo de aprendizado. Por exemplo, a Apple adquiriu a Emotient, a Tuplejump e a Turi, enquanto a Salesforce comprou a PredictionIQ e a MetaMind; o Google adquiriu a Api.ai e a Moodstocks; e a Intel, por sua vez, arrematou a Itseez, a Nervana Systems e a Movidius. Outras gigantes de tecnologia, como IBM, Oracle, Amazon, Microsoft e Facebook também se movimentaram.
Os avanços são realmente significativos. O fato mais marcante de 2016 foi em março, quando o AlphaGo, desenvolvido pela DeepMind, subsidiária de IA do Google, superou Lee Sedol, o então melhor jogador de Go do mundo, com um placar de 4 a 1 em um torneio de cinco jogos. O Google também vem desenvolvendo chips especiais para “deep learning”, como o o ASIC.  Aliás, em uma brilhante jogada estratégica, colocou em open source o TensorFlow, seu engine de IA. E, falando em hardware, foi significativo a NVIDIA ter desenvolvido um  chip de 15 bilhões de transistores desenhado especificamente para “deep learning”.
São avanços de hardware como este que podem acelerar muito rapidamente a evolução da IA.   A Amazon (AWS), Microsoft (Azure) e a IBM, com seu Watson, estão disponibilizando APIs para criar um ecossistema de aplicações em torno de seus produtos de IA. O modelo colaborativo está sendo amplamente adotado para impulsionar a evolução exponencial da IA. Um exemplo foi a Microsoft ter lançado um conjunto de 100 mil perguntas e respostas que podem ser usadas para facilitar o desenvolvimento de sistemas de IA que interajam com humanos, como chatbots.
Na verdade, desenvolver sistemas de IA começa a se tornar bem mais simples que há meros cinco anos. A experiência pessoal de Mark Zuckerberg, CEO do Facebook ,ao desenvolver ele mesmo o Jarvis mostra isso claramente. Você ainda tem que ter boa bagagem de tecnologia, mas não precisa necessariamente contratar um grupo de PhDs para desenvolver sistemas de IA.
O que devemos esperar em 2017 e daí em diante? 
Antes de mais nada, não pensemos linearmente. A evolução é exponencial e avanços radicais serão sentidos em pouco tempo.  Um exemplo de pensamento exponencial: os próprios sistemas de IA sendo usados ​​para criar futuros sistemas de IA. Como seria um sistema de IA que evoluísse automaticamente, pelo auto aprendizado? Uma máquina que alcance um QI elevadíssimo, como agiria? Sabemos hoje que uma pessoa com QI de 130 consegue ser muito melhor no aprendizado escolar que uma de 90. Mas, se a máquina chegar a um QI de 7.500? Não temos a mínima ideia do que poderia ser gerado por tal capacidade.
Mas não temos dúvidas que o forte impacto da IA na sociedade, empresas e nas profissões é um assunto de extrema importância. O Fórum Econômico Mundial publicou um relatório instigante, intitulado “The Future of Jobs: Employment, Skills and Workforce Strategy for the Fourth Industrial Revolution”, analisando os impactos da evolução tecnológica, onde a IA tem papel fundamental no cenário futuro. O relatório lembra que provavelmente 65% das crianças que estão nas escolas primárias hoje estarão trabalhando em funções completamente novas, que simplesmente ainda não existem. Sobre o Brasil, o relatório aponta algumas barreiras desafiadoras como a ainda grande incompreensão das disrupções que já estão surgindo (55% dos entrevistados), a falta de alinhamento estratégico da força de trabalho das empresas (e, claro dos órgãos públicos) com as inovações disruptivas (48%), e devido à crise econômica, a pressão dos acionistas pela rentabilidade de curto prazo (48%).
Os algoritmos e as máquinas substituirão os humanos? Em muitas funções sim. Muitas profissões existentes hoje deixarão de existir. A profissão de motorista, por exemplo, não será uma que sobreviverá muito mais que uma ou duas décadas. A Tesla afirma que já em 2017 seus carros serão inteiramente autônomos. Sem necessidade de motoristas, e com o conceito de economia compartilhada, o próprio modelo da indústria automotiva tenderá a sair do “possuir” para “usar”. Isso significa que o modelo de negócios se deslocará de propriedade para uso. O artigo “Former Tesla and BMW exec says self-driving cars will start to kill car ownership in just 5 years” coloca esta instigante questão. O desafio é que essa possibilidade poderá acontecer muito antes do que o pensamento linear é capaz de intuir. Claramente, os entraves para isso acontecer serão muito mais culturais e regulatórias que tecnológicos.
Em outras funções, a maioria das suas tarefas repetitivas será feita automaticamente. A McKinsey também publicou um artigo muito instigante, “Where machines could replace humans—and where they can’t (yet)”. Nele a consultoria afirma que embora a automação possa eliminar apenas poucas ocupações na próxima década, ela irá afetar em maior ou menor grau quase todos as funções, dependendo do tipo de trabalho que envolvem. Um exemplo concreto vem do Japão, onde uma seguradora já está substituindo algumas funções feitas por humanos por computadores, como o artigo “Japanese white-collar workers are already being replaced by artificial intelligence” nos mostra.
 E, claro, novas funções serão criadas. No final, teremos uma mudança significativa na relação pessoas-máquinas e isso vai se refletir nas funções, academia e relações trabalhistas. Recomendo a leitura de um estudo, “The Future of Work: Jobs and skills in 2030”, feito no Reino Unido, que é um contexto diferente do brasileiro, mas que pode nos indicar alguns caminhos.
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Vamos analisar funções que são tipicamente humanas, como as que demandam capacidade de julgamento. As limitações atuais da IA nos levam a crer que o julgamento humano não será automatizado tão cedo. Entretanto, algoritmos podem melhorar o julgamento humano, buscando e reunindo fragmentos de informações que estejam espalhados por inúmeras fontes, agregando-as de forma que sejam úteis. Na área jurídica, por exemplo, onde muitas informações sobre casos similares e jurisprudências, leis e regulamentos diversos, que demandam exaustivas e quase sempre incompletas buscas por dezenas de advogados, podem ser agregadas em poucos minutos, por algoritmos de IA. 
Já na década de 50 do século passado, alguns estudos mostraram que algoritmos computacionais conseguiam superar os julgamentos humanos, completamente subjetivos. O psicólogo americano Paul Meehl documentou 20 estudos que compararam as previsões de especialistas humanos com algoritmos preditivos simples. Lembrem-se...estamos falando de computadores de sessenta anos atrás! Os estudos variaram desde a previsão de como um paciente esquizofrênico responderia à terapia de eletrochoque até a probabilidade de um aluno ter sucesso na faculdade.
O estudo de Meehl mostrou que em cada um dos 20 casos analisados, os peritos humanos foram sobrepujados por algoritmos simples. Pesquisas posteriores confirmaram as descobertas de Meehl. Mais de 200 estudos compararam a previsão de algoritmos e de especialistas, com algoritmos estatísticos quase sempre superando o julgamento humano. Nos poucos casos em que os algoritmos não superaram os especialistas, os resultados eram geralmente um empate.
Na recente eleição americana um sistema de IA desenvolvida por uma startup indiana apontava que o vencedor seria Donald Trump, ao contrário do que afirmava a mídia.  Acertou. O sistema foi mais preciso que os jornalistas e cientistas políticos.
A razão, segundo os estudos é que os humanos tendem a simplificar suas tomadas de decisão, baseando-se fortemente na intuição e experiências passadas. Funciona muito bem quando temos que tomar decisões rápidas, como geralmente acontece às centenas durante o dia. Mas, quando a decisão envolve uma análise mais criteriosa e demorada, isenta, com dados mais abrangentes, como a contratação de um funcionário, a decisão enviesada pela intuição, experiência pessoal e pré-conceitos, acaba sendo prejudicada.
Esses resultados mostram que os humanos são dispensáveis? Pessoalmente, creio que não, pelo menos em um horizonte previsível. Embora algoritmos possam superar o julgamento de especialistas, eles são direcionados a domínios de conhecimento restritos.  Um algoritmo treinado para traduzir textos de uma língua para outra não é capaz de reconhecer imagens em uma fotografia e muito menos dirigir um veículo. Além disso, o treinamento dos algoritmos depende da alimentação de dados gerados pelos próprios especialistas, que acabam selecionando, pela intuição, o que parece ser mais relevante. Isso, por si, já cria um viés para o algoritmo. 
Embora sistemas de IA possam automatizar muitas tarefas rotineiras, é improvável que o julgamento humano seja, pelo menos, nos próximos dez a quinze anos, terceirizado para algoritmos. Mas, quando se fala em um horizonte maior, como em 2050, o cenário pode ser bem diferente! Uma pesquisa feita com pesquisadores de IA, aponta que uma máquina superinteligente - Human Level Machine Intelligence (HLMI) – tem 10% de chance de aparecer por volta de 2020 e 50% em torno de 2050. Para 2100, a probabilidade é de 90%!
Entretanto, no curto prazo, será mais realista usarmos de forma colaborativa a IA para eliminar pré-conceitos embutidos nas intuições e melhorar os julgamentos humanos. Quando os dados são abundantes e os aspectos relevantes do mundo não mudam rapidamente, é adequado nos apoiarmos em métodos estatísticos. Mas, quando pouco ou nenhum dado está disponível, a inteligência coletiva pode ser usada ​​para tirar o máximo proveito do julgamento de especialistas. Por exemplo, o Google, uma típica empresa de IA, usa em conjunto a "sabedoria da multidão" de humanos e métodos estatísticos baseados em IA para melhorar as decisões de contratação, onde a filosofia é "complementar a tomada de decisão dos humanos e não substituí-la". Vale muito a pena ler o livro “How Google works” de Eric Schmidt e Jonathan Rosenberg.
Indiscutivelmente, a IA automatizará o trabalho de rotina, deixando os especialistas humanos com mais tempo para se concentrarem em aspectos que exijam o julgamento de especialistas e/ou de pessoas com habilidades como percepção social e empatia. Por exemplo, os modelos de “deep learning” podem automatizar muitas atividades que envolvam análises de imagem médicas, o que permitirá aos médicos mais tempo para se concentrarem em questões médicas mais ambíguas, como discutir estratégicas e opções de tratamento e apoiar o paciente com mais empatia. Recentemente, noticiou-se um caso onde a IA ajudou os médicos a diagnosticarem um caso de leucemia que eles, por si, não conseguiam. Isso foi feito no Japão, com o uso do Watson, da IBM.
A IA não envolve uma equação de soma zero, humanos versus IA, e sim humanos mais IA gerando mais inteligência. Claro, que para isso temos que nos preparar. A academia formando profissionais para novas funções nas profissões existentes e para as novas profissões. As empresas e a sociedade discutindo os efeitos da IA nos seus negócios. Um exemplo desta discussão é a organização de pesquisas OpenAI, criada para debater as questões éticas que envolvem IA e seus efeitos.
Infelizmente, as discussões sobre o efeito da IA e seus impactos continuam muito distante por aqui. Nada se ouve sobre o assunto pelos legisladores e gestores públicos brasileiros, pouco se fala nas empresas, e em grande parcela da academia o assunto está restrito a poucos pesquisadores de ciência da computação. Sim, no Brasil estamos bem atrasados...

(*) Cezar Taurion é head de Digital Transformation da Kick Ventures  e autor de nove livros sobre Transformação Digital, Inovação, Open Source, Cloud Computing e Big Data
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