sábado, 8 de abril de 2017

Brasil ainda vive o hype do Blockchain

Cristina De Luca Publicada em 07 de abril de 2017

Ok. Você tem ouvido falar muito em Blockchain. E a tendência é que as conversas em torno da tecnologia continuem a dominar as rodas de debate sobre modelos de negócio disruptivos, a medida que mais setores econômicos comecem a examinar, em maior profundidade, os impactos que ela provocará no modo como hoje transacionamos mercadorias e serviços. Especialmente no Brasil, onde para muitos participantes da Emerging Links, primeira conferência internacional de Blockchain no Brasil, encerrada nesta quinta-feira em São Paulo, ainda vive a fase de hype, enquanto países mais avançados, como Estados unidos e Canadá, já começam a realizar as primeira provas de conceito, para além da área financeira e do BitCoin.
Por aqui, o setor financeiro tem feito progressos rápidos, principalmente quando se fala transmissão de valores e em contratos inteligentes que se auto-executam com base em regras acordadas entre as partes, granado consenso e confiança pública sem a necessidade de um intermediário. Da mesma forma, o agronegócio e diversas outras verticais, como as de serviços de saúde e serviços cartorários, já se dedicam a estudar novos usos para o Blockchain. No caso dos bancos e dos cartórios, nitidamente interessados em dar um novo valor para a intermediação que prestam, em um mundo que caminha fortemente para a desintermediação das transações. O mundo a segunda geração da Internet, como afirma o escritor e futurólogo canadense Don Tapscott, estrela da conferência. 
O agronegócio, por sua vez, vê no Blockchain uma forma de melhorar a rastreabilidade de produtos; certificar a origem de produtos; oferecer preços justos a partir das reduções dos custos das transações em cada elo da cadeia formada do campo à mesa do consumidor. Nos Estados Unidos, por exemplo, o Walmart está testando Blockchain para rastrear alfaces, carnes e doces das fazendas e fábricas onde são produzidos, até as prateleiras de suas lojas. Aqui no Brasil, a empresa é cliente da Agrotools, que acaba de fechar uma parceria com a IBM Brasil para o desenvolvimento da IBM AgriTech, uma plataforma geo-cognitiva, aberta, neutra e agnóstica que permita a circulação de dados e a extração de insights. A Agritech combina serviços da Agrotools com a expertise da IBM em computação cognitiva e Blockchain. 
Se já estivesse em uso, essa plataforma da IBM com a Agritools poderia ter ajudado o governo, os frigoríficos e os próprios varejistas a conterem mais rapidamente os efeitos da operação "Carne Fraca", identificando rapidamente os lotes com problema, retirando-os do mercado, comenta Ferando Martins, da Agritools. Não por acaso, Carolina Wosiack, mediadora do painel que debateu inovação na agricultura durante a Emerging Links, afirmou taxativamente que crises, escândalos e a pressão regulatória são fatores que ajudarão a impulsionar o uso de Blockchain no segmento.
A Microsoft é outro gigante da tecnologia bastante interessada na evolução do Blockchain. Não por acaso, coube a Gustavo Paro, FSI Senior Industry Solution Executive e Blockchain specialist da companhia, mediar o painel sobre Maturidade e Adoção de Blockchain no Brasil, com presença de representantes do Bradesco, do Itaú e da KPMG. Diferentemente do agronegócio, fica claro que no caso dos bancos, o Blockchain vem sendo olhado mais como tecnologia em busca de um problema do que uma solução para questões do negócio.  Talvez por isso, o painel tenha se debruçado sobre um dos grandes problemas de implementação do Blockchain, a interoperabilidade entre "os seus diversos sabores". 
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E aqui cabe abrir um parêntese. O Blockchain original funciona como um banco de dados e uma rede ponto a ponto em que registros de transações ficam distribuídos entre milhares de computadores. A distribuição e a criptografia do registro garantem a integridade da transação, sendo impossível adulterá-la. Esse banco de dados pode registrar qualquer tipo de informação estruturada, não apenas quem pagou a quem, mas também quem se casou com quem, quem possui qual terra ou que lâmpada usou energia de qual fonte. Isso faz com que seja adequado à internet das coisas, porque será preciso estabelecer trilhões de transações em tempo real entre objetos, algo que as instituições financeiras, por exemplo, não conseguirão fazer.
Desse conceito originaram-se mais de 40 plataformas de Blockchain, com o objetivo de dar segurança nas transações entre pessoas e organizações, algumas preservando o modelo Open Source do Blockchain, e outras sendo desenvolvidas como soluções proprietárias. Entre os destaques estão as plataformas Ethereum, que tem apoio da Microsoft; a Hyperledger, uma iniciativa da IBM; e a Corda, nascida dentro do Consórcio R3 - que reúne mais de 50 instituições financeiras em nível global -, mas que caminha para ser incorporada ao Projeto Hyperledger.
O Hyperledger é um projeto guarda-chuva com diversas iniciativas. Uma delas é conduzida pela própria IBM, dando continuidade ao desenvolvimento do código original da empresa denominado Hyperleger Fabric. Outra frente é o Saw Tooth Lake, liderado pela japonesa NTT. E por fim, o Corda, do R3, que, no final de 2016, decidiu tornar sua plataforma Open Source, aderindo ao Projeto Hyperledger.
"O Hyperleger e o Corda, o Ethereum utiliza protocolo aberto e seu desenvolvimento é feito por uma comunidade de mais de 30 mil desenvolvedores. Além disso, criou-se o Consórcio Enterprise Ethereum Alliance com participação inicial de 30 dos mais influentes integrantes da Indústria de finanças, tecnologia, e startups de Blockchain", comenta Paro.
A Microsoft é um dos participantes desse grupo, cujo objetivo é endereçar a questão da interoperabilidade entre os diversos Blockchains privados. Tanto o Corda, via Consórcio R3, quanto o Hyperledger, possuem ou participam de iniciativas parecidas. Já a IBM aposta no modelo de redes de negócios fechadas e permissionadas, com participantes conhecidos e governança coordenada entre eles.
De um modo geral, os participantes do painel coordenado por Paro acreditam que continuarão existindo várias plataformas, cada uma com uma função específica. Haverá empresas usando mais de uma rede e é possível que, no futuro, seja necessário algum tipo de integração entre plataformas. Na opinião de George Marcel, do Bradesco, Igor Freitas, do Itau e Alan de Genaro, da B3 (resultado da fusão da BM&FBovespa com a Cetip) a interoperabilidade é importante e sua falta pode comprometer o conceito do blockchain. Mas nenhum deles acredita que haverá uma única plataforma padrão, como chegou a cogitar Oliver Cunningham, da KPMG.
Oliver acredita que haverá uma base comum, um DLT (Distributed Ledger Technology) público em cima do qual outros, um ou dois para cada vertical, serão construídos. "Não faz sentido ter dezenas de DLTs para o mesmo setor"
De fato, os bancos têm trabalhado em conjunto no desenvolvimento de modelos de uso de Blockchain em áreas como prevenção à fraude, pagamentos, compartilhamento de cadastro e registro de informação e na avaliação de qual plataforma é melhor para cada modelo de uso. São várias as provas de conceito (PoCs) para testar tecnologia e impacto no negócio, mas piloto mesmo talvez este ano ainda, mas mais provavelmente em 2018.  
"O desenvolvimento em torno de Blockchain aqui no Brasil tem sido colaborativo. Nós temos que desenvolver juntos a solução. No grupo de trabalho da Febraban nós estamos trabalhando em mais uma PoC de compartilhamento de cadastro, usando  Hyperledger Fabric, depois de ter feito uma na E3 usando Corda, justamente para entender melhor qual das plataformas é mais adequada", comenta George Marcel, do Bradesco.  "Se nós formos implementar alguma coisa em produção nesse momento, vamos ter que concordar sobre qual plataforma usar, justamente por não ter interoperabilidade",  completa.
Governança
Don Tapscott endereçou outro problema importante para que o Blockchain possa, de fato, desenvolver todo o seu potencial: governança. Servindo-se da analogia que ele mesmo faz do Blockchain como base da segunda geração da Internet, Don acredita que falta a ele uma governança sofisticada, baseada em consenso, como a que existe hoje para a Internet. "Há estruturas, processos públicos para fazer as coisas. A Internet Engineering Task Force e o W3C Consortium desenvolvem padrões para a rede. O Internet Governance Forum cria políticas para governos. A Internet Corporation for Assigned Names and Numbers (Icann) cuida dos nomes de domínio", diz ele. É preciso que se faça o mesmo em torno do Blockchain.

Don enxerga o Blockchain como algo tão revolucionário como a Web, rodando sobre o TCP-IP. "É uma analogia complicada. Acredito que teremos uma grande plataforma pública, a Ethereum e várias plataformas segmentadas. Nós teremos Blockchains que vão integrar outros Blockchains e outros onde a integração não existirá. Vejo algo como as intranets dos anos 1990. Muitas companhias, ou setores, vão começar usando intranets, com ou sem conexão com a plataforma pública", completa.
Na sua opinião, o Blockchain púbico seria o Ethereum, onde há projetos em andamento para fazer tudo, desde criar um novo substituto para o mercado de ações, "até criar um novo modelo de democracia, e proteger a privacidade, que muitos acreditam ter acabado com a Internet", provoca.
"Privacidade é um direito humano fundamental e a base de uma sociedade livre. Está tremendamente mal informado quem diz que a privacidade morreu. Basta que cada um de nós tenha a própria identidade em uma caixa-preta no Blockchain. Quando fizermos uma transação, será a caixa-preta que proverá as informações necessárias para concretizá-la e que coletará dados, e ninguém terá acesso a ela. Manteremos nossos dados e apenas se quisermos os venderemos para lucrar com isso", diz ele.
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O Blockchain Ethereum foi desenvolvido por um canadense chamado Vitalik Buterin e, por enquanto, tem sido muito usado para construir contratos inteligentes. Mas recentemente, o governo do Canadá, em parceria com empresas privadas (Accenture, SAP, IBM, Nasdaq, PepsiCo, entre outras)  e startups, decidiu criar o Blockchain Reserch Institute, em Toronto, para reunir as mentes mais brilhantes dos setores público, privado e da academia em torno do desenvolvimento do Blockchain, considerando inicialmente as necessidades de oito setores, incluindo energia, mídia, tecnologia, saúde e governo.A iniciativa lembra muito a das instituições americanas em torno da Internet. O objetivo é desenvolver os melhores modelos possíveis para que o Blockchain avance. 
A intenção é a de que executivos C-level das empresas associadas (é preciso pagar 200 mil dólares para isso) se envolvam com os mais de 50 projetos de aplicação do blockchain envolvendo regulamentação, tokenização, Internet das Coisas e por aí vai. 
Durante um ano, a entidade conduzirá uma série de projetos materializados em  um relatório, um conjunto de dados, um website, ferramentas, MOOC ou outro dispositivo para compartilhar resultados. Também será realizada uma cúpula final, com participação restrita aos membros do programa e ao corpo docente, onde os resultados do programa serão compartilhados e discutidos.
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