terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

A inteligência artificial e o futuro do trabalho


*Fábio de Biazzi ,
O Estado de S.Paulo
07 Fevereiro 2017 | 03h00
A decisão dos ingleses de deixar a União Europeia e a eleição de Donald Trump pelos americanos parecem ter ao menos um elemento em comum: em ambos os casos as populações de cidades e Estados que vêm sofrendo estagnação ou algum declínio econômico penderam para essas soluções de eficácia ainda a ser provada. Por trás desses votos em comunidades sem avanços econômicos significativos nas últimas décadas, o maior temor é de que as oportunidades de trabalho se tornem mais e mais escassas. 
Entretanto, por mais que os defensores do Brexit e da Trumponomics prometam “trazer os empregos de volta”, essa visão está longe de se mostrar de fácil realização. O economista Mark Muro, da Brooking Institution, afirma, em entrevista publicada em 22/1 no Estado, que a digitalização e a automação têm permitido a produção de bens e serviços com alto valor agregado sem se ter de empregar grande número de pessoas. Mesmo o retorno de algumas instalações industriais aos Estados Unidos não teria como causar impacto relevante no número de empregos.
A mesma lógica de desaparecimento gradual das vagas de emprego que afeta os EUA e a Inglaterra também engloba o Brasil ou qualquer outro país. Por essa razão, a questão dos desafios do trabalho é tão relevante e, para otimistas e pessimistas, tem tudo para ficar ainda mais intensa no futuro. Isso porque os últimos anos têm revelado um avanço descomunal não somente em termos de automação ou digitalização, mas na evolução da chamada “inteligência artificial” (AI). E um avanço ainda maior é esperado já para os próximos anos, não apenas para as próximas décadas.
A AI surgiu há cerca de 50 anos, com a missão de desenvolver máquinas capazes de resolver problemas anteriormente limitados à resolução por cérebros humanos. Um grande marco da inteligência artificial foi alcançado com duas séries de jogos de xadrez entre o então campeão mundial Garry Kasparov e o supercomputador da IBM chamado Deep Blue. Em 1996, na Filadélfia, Kasparov ganhou a série de embates por 4 a 2. Em 1997, em Nova York, uma segunda série de seis jogos – também sob as regras de torneios internacionais – terminou com a vitória do Deep Blue por 3,5 a 2,5. Apesar desse feito extraordinário, os avanços da AI nos anos que se seguiram acabaram por se mostrar decepcionantes, até para tarefas bem mais triviais do que bater um grande mestre, como, por exemplo, as soluções de reconhecimento de voz.
Com o objetivo de analisar sua evolução e seus impactos sociais, a revista The Economist publicou em meados de 2016 um detalhado relatório sobre a AI. Segundo ela, “depois de muitas falsas largadas, a inteligência artificial finalmente decolou”. Um símbolo desse salto seriam os resultados de um concurso anual de reconhecimento de imagens chamado ImageNet Challenge, em que milhões de imagens são rotuladas com a identificação do tipo de figura que representam e alimentadas em sistemas de AI concorrentes. Em 2010 o sistema vencedor conseguiu identificar 72% das imagens. Essa taxa foi aumentando ano a ano e apenas dois anos atrás (2015) outro sistema conseguiu identificar 96% das imagens, ultrapassando pela primeira vez o patamar de reconhecimento médio dos seres humanos, de 95%.
Esse exemplo ilustra o veio mais promissor de evolução da AI, chamado deep learning, ou aprendizagem profunda. A aprendizagem profunda baseia-se em redes neurais artificiais que seriam “treináveis” pelo processamento de enormes quantidades de dados, em vez de serem sistemas “explicitamente programados”. Tais dispositivos já têm sido utilizados em mecanismos de busca, bloqueadores de spams, tradutores, detectores de fraudes em cartões de crédito e nas experiências com veículos autodirigíveis. Outro exemplo impressionante são os softwares de reconhecimento facial. Já existem em funcionamento quatro deles com precisão maior que 99,5%, ante uma taxa de acerto médio dos humanos de 97,5%.
Os impactos dessa “decolagem” da AI, embora não totalmente antecipáveis, prometem ser cruciais para o futuro da humanidade. O renomado físico Stephen Hawking, em artigo publicado em dezembro de 2016 no jornal The Guardian, sustenta que “a automação das fábricas já dizimou postos de trabalho na manufatura tradicional e a ascensão da inteligência artificial provavelmente estenderá a destruição às funções das classes médias, com a sobrevivência apenas dos papéis mais criativos, de supervisão ou de cuidados pessoais”. A própria The Economist cita estudos que estimam que entre um terço e metade das funções correm o risco de ser automatizadas. As mais vulneráveis ao avanço da AI seriam as funções de rotina, tanto manuais quanto intelectuais. 
Será que estaríamos chegando finalmente à plenitude da Terceira Onda, descrita por Alvin Tofler em 1980? Conseguirão os países e seus líderes reconfigurar novamente para melhor suas sociedades com o advento da AI – da mesma forma que a civilização prosperou e criou novas ocupações com a mecanização e a automação no passado –, mesmo se antevendo um impacto centenas de vezes mais intenso e rápido que nos casos anteriores?
Otimistas ou pessimistas, aqueles que têm voz na definição do futuro de suas empresas, sociedades e países deveriam regozijar-se com mais essa vitória da humanidade sobre o labor interminável e pouco significativo das tarefas repetitivas. Deveriam também privilegiar e fomentar um importantíssimo fator que esteve presente na assimilação socialmente equilibrada das mudanças tecnológicas anteriores (e no qual o Brasil tem falhado de maneira recorrente): a educação e requalificação para o desempenho de atividades mais complexas e que demandam maior capacidade cognitiva, flexibilidade, criatividade e colaboração.

* ENGENHEIRO DE PRODUÇÃO, DOUTOR EM ENGENHARIA PELA USP, DIRETOR EXECUTIVO E CONSULTOR DE GESTÃO, É PROFESSOR DE LIDERANÇA E COMPORTAMENTO ORGANIZACIONAL DO MBA EXECUTIVO DO INSPER

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