Em 18/07/2017 no site Profissionais TI
No fim de 2014, Jeff Sutherland, um dos co-autores do Scrum, lançou o livro “Scrum – A arte de fazer o dobro na metade do tempo”, que é uma leitura super agradável e relata algumas das principais inspirações que Ken Schwaber e ele utilizaram no processo de construção do Scrum. Com o livro do Jeff Sutherland e diversas referências adicionais, busquei reconstruir o caminho percorrido pela agilidade ao longo dos anos. Saber quais movimentos intelectuais serviram de base para a agilidade nos permite ter uma visão mais ampla, compreendendo a evolução do pensamento ágil.
Seguiremos a ordem cronológica de desenvolvimento dos conhecimentos:
- Rugby – Século XIX
- Aikido – 1930 – 1960
- Ciclo de Deming (PDCA) – 1950
- Ciclo OADA da aviação de combate – 1965
- Sistema Toyota de Produção – 1948 – 1975
- The new new product development game – 1986
- Scrum nascendo – 1993 – 1995
- Manifesto Ágil – 2001
- História recente da Agilidade e do Scrum – 2002 – 2016
Vamos ao que interessa.
Rugby – Século XIX
O termo Scrum vem da formação de mesmo nome no Rugby. Se você nunca viu um Scrum do Rugby, segue uma pequena amostra:
No Scrum, oito jogadores de cada time ficam em formação e tentam avançar o máximo possível. O problema é que, se qualquer membro do time falhar, a formação é comprometida e, consequentemente, o avanço também. Não é que podemos traçar um paralelo com nossos projetos profissionais? Desenvolver times integrados e eficientes é um desafio, tanto no Rugby quanto nos projetos. Muitos imaginam que a associação entre o método ágil Scrum e o Scrum do Rugby foi feita inicialmente por Jeff Sutherland e Ken Schwaber, entretanto, não é o caso. A associação foi estabelecida no artigo “The new new product development game (1986)” dos administradores japoneses Hirotke Takeuchi e Ikujiro Nonaka (veremos adiante).
Aikido – 1930 – 1960
O Aikido é uma arte marcial japonesa desenvolvida pelo mestre Morihei Ueshiba (1883-1969), entre 1930 e 1960. Um dos conceitos que foi incorporado pelo Aikido é o Shuhari:
O Shurari descreve os estágios do aprendizado (de qualquer assunto) até o domínio completo, que são:
- Shu: Estágio no qual aprendiz conhece regras básicas e segue-as, sem distração;
- Ha: Estágio no qual aprendiz já domina regras básicas e começa a inovar;
- Ri: Estágio no qual aprendiz descarta as regras e é livremente/naturalmente criativo;
Imagine os estágios para aprender a dançar. No início, seus passos seguirão as regras básicas do estilo musical e você estará totalmente focado, sem distrações (estágio Shu). Após alguma evolução, as regras básicas “entram no sangue” e o aprendiz começa a inovar, experimentando variações de passos (estágio Ha). No último estágio, a dança já é parte do aprendiz e ele é capaz de ser livremente criativo, sem as amarras das regras básicas (estágio Ri).
Ao iniciar qualquer implantação dos conceitos ágeis em uma equipe, também passamos pelos estágios Shuhari. No início, as regras precisam ser constantemente relembradas aos envolvidos e a mudança de paradigma ainda é difícil para alguns. Com o tempo, os conceitos da agilidade passam a ser mais naturais e já é possível fazer algumas experimentações, até que os conceitos passam a fazer parte da essência da equipe e será possível inovar de maneira natural.Quer aprender um pouco mais sobre o Shuhari na agilidade ? Leia este artigo do cara que fez a aplicação do Shuhari na Agilidade, Alistair Cockburn, um dos signatários do Manifesto Ágil e um dos pais do Crystal.
Ciclo de Deming (PDCA) – 1950
Os conceitos básicos do Ciclo de Deming foram criados por Walter Shewart, um dos pais do gerenciamento da qualidade, entretanto, seu principal disseminador foi o Dr. Edwards Deming. Embora o próprio Deming se referia ao ciclo como Ciclo de Shewart, o nome mais adotado acabou sendo Ciclo de Deming (pobre do Shewart).
O Ciclo PDCA consiste em:
O Ciclo de Deming foi amplamente utilizado na reconstrução do Japão pós segunda guerra e foi um dos principais insumos para o Sistema Toyota de Produção (japoneses dominam com maestria os princípios da agilidade, alta produtividade e qualidade, o que é admirável). A riqueza do PDCA mora na observação de que é possível melhorar os processos de trabalho a partir do empirismo, ou seja, executando e aprendendo com as execuções. É a partir da observação das execuções dos processos de trabalho (inspeção/controle) que os ajustes necessários serão descobertos.
Na introdução do Guia Scrum, é dito que:
“Scrum é fundamentado nas teorias empíricas de controle de processo, ou empirismo. O empirismo afirma que o conhecimento vem da experiência e de tomada de decisões baseadas no que é conhecido”
Os pilares do empirismo são:
- Transparência;
- Inspeção;
- Adaptação.
Totalmente relacionado ao Ciclo PDCA, não é ?
Ciclo OADA da aviação de combate – 1965
Jeff Sutherlad, um dos co-criadores do Scrum, foi piloto de combate na guerra do Vietnã. Durante a guerra, um dos métodos utilizados pelos pilotos americanos era o ciclo OADA, que lembra bastante o PDCA:
- O – Observar: Pilotos observavam terrenos sobrevoados em busca de possíveis ameaças ou pontos de interesse;
- A – Avaliar: A partir das observações, pilotos avaliavam cenários e levantavam possíveis alternativas de ação;
- D – Decidir: Com alternativas de ação elencadas, piloto decidia por uma delas;
- A – Agir: Ação baseada na alternativa escolhida;
Mesmo com aviões “inferiores” tecnologicamente aos russos, os pilotos americanos conseguiam melhores desempenhos no ar, o que era uma proeza. Os motivos que levaram os americanos a “perderem” a guerra foram diversos, entretanto, o ciclo OADA foi utilizado com sucesso nos ares pelos americanos e Jeff Sutherland utilizou as iterações dos ciclos OADA e PDCA na elaboração do Scrum (Sprints).
Sistema Toyota de Produção – 1948 – 1975
O Sistema Toyota de Produção ou Lean Manufacturing foi Desenvolvido por Taiichi Ohno de 1948 até 1975 e publicado em 1988 na obra “Toyota production system: beyond large-scale production (Productivity press)”, sendo reconhecido internacionalmente na década de 90, após um estudo do MIT sobre a indústria automobilística.
O Sistema Toyota de Produção utilizou como insumo o Ciclo PDCA e possui a ideia de fluxo de produção calmo e rápido. Um de seus fundamentos é que a gerência deve identificar e remover obstáculos do fluxo, evitando o desperdício. Alguns conceitos adicionais utilizados pelo Sistema Toyota de Produção:
- Kaizen: É o conceito de melhoria continua, que prega que “Hoje precisamos estar melhor que ontem e amanhã melhor que hoje!”;
- Correção antecipada de defeitos de produção: Fracasse rápido para corrigir problemas antecipadamente. Quanto mais tarde um problema for detectado, mais caro será corrigi-lo;
- Just in Time: nada deve ser produzido, transportado ou comprado antes da hora exata. Pode ser aplicado em qualquer organização, para reduzir estoques e os custos decorrentes.
Quando falamos em carros da Toyota, qual a primeira característica que vem à mente ? Os carros não quebram. Você ainda tem alguma dúvida que isso está relacionado ao Sistema Toyota de Produção ?
Outra análise bastante interessante feita por Taiichi Ohno foi a identificação dos tipos de desperdício:
- Muri: Desperdício pela irracionalidade (falha no planejamento);
- Mura: Desperdício pela inconsistência (falha na ação);
- Muda: Desperdício pelos resultados (falha na inspeção/adaptação).
Observe que os tipos de desperdício estão intimamente ligados às falha no ciclo PDCA. Falhas no Planejamento levam do desperdício Muri, pela irracionalidade. Falhas na Ação (Do) levam ao desperdício Mura, pela inconsistência na execução. Falhas na Inspeção/Adaptação (Control/Act) levam ao desperdício Muda, pelas falta de qualidade nos resultados.
“Desperdício é mais um crime contra a sociedade que uma perda nos negócios” Taiichi Ohno
The new new product development game – 1986
O artigo de 1986 foi publicado na Harvard Business Review pelos administradores japoneses Hirotke Takeuchi e Ikujiro Nonaka. Eles analisaram times de alta produtividade da Honda, Xerox, 3M e HP em busca dos “ingredientes” para o sucesso e encontraram:
- Equipes multifuncionais: equipes possuem todas as habilidades necessárias ao trabalho. Não quer dizer que cada membro da equipe deverá possuir todas habilidades individualmente, mas sim que, na equipe, todas habilidades serão encontradas;
- Equipes auto-organizáveis: equipes que definem como irão produzir produtos e quanto são capazes de produzir;
- Executivos que removem obstáculos das equipes: No Scrum, há o Scrum Master, que remove impedimentos/obstáculos da equipe. No artigo, os pesquisadores observaram que os executivos atuavam como Scrum Masters, removendo impedimentos ao trabalho da equipe;
Foi nesse artigo que houve a primeira associação do trabalho em equipe com o Scrum do Rugby.
Scrum nascendo – 1993 – 1995
Em 1993, Jeff Sutherland utilizou princípios do Scrum na Easel Corporation. Em 1995, Ken Schwaber e Jeff Sutherland formalizaram em um artigo a primeira versão do Scrum e publicaram na OOPSLA’95 (Object-Oriented Programming, Systems, Languages & Applications da ACM).
“Scrum é um Framework no qual pessoas podem tratar problemas complexos e adaptativos, enquanto produtiva e criativamente entregam produtos com o mais alto valor possível.”
“O framework Scrum consiste nos times do Scrum associadas a papéis, eventos, artefatos e regras.”
Desde a década de 90, o Scrum vem sendo atualizado, aperfeiçoado e utilizado com sucesso nas mais diversas atividades econômicas, privadas ou governamentais.
Manifesto Ágil – 2001
No ano de 2001, 17 expoentes da área de Tecnologia assinaram o Manifesto Ágil, no qual foram definidos os valores e princípios que norteiam a agilidade.
Seguem os signatários do manifesto ágil com suas principais áreas de atuação: Ken Schwaber (Scrum), Jeff Sutherland (Scrum), Martin Fowler (Thoughworks, UML, Design Patterns), Kent Beck (XP), Ron Jeffries (XP), Ward Cunningham (XP), Arie van Bennekum (DSDM), Alistair Cockburn (Crystal), Mike Beedle, James Grenning, Jim Highsmith, Andrew Hunt, Jon Kern, Brian Marick, Robert C. Martin, Steve Mellor, Dave Thomas.
Na manifesto ágil, foram elencados os seguinte valores:
No manifesto ágil, também foram definidos doze princípios, alinhados aos valores previamente definidos. Faça a leitura dos doze princípios, eles são muito interessantes.
História recente da Agilidade e do Scrum – 2002 – 2016:
No site que distribui o Guia Scrum, há uma versão super resumida da história do Scrum. Seguem os principais eventos a partir de 2002:
- Em 2002, Ken Schwaber fundou a Scrum Alliance com Mike Cohn e Esther Derby. A Scrum Alliance possui um dos programas de Certificação Scrum mais difundidos no mercado;
- Em 2006, Jeff Sutherland criou a Scrum.inc, que provê consultorias para implantação do Scrum e programas de certificação;
- Ken Schwaber deixou a Scrum Alliance em 2009 e fundou a Scrum.org, que também possui um dos programas de Certificação Scrum mais difundidos no mercado (minha certificação Professional Scrum Master é da Scrum.org);
- A primeira publicação do Guia Scrum foi em 2010, com atualizações em 2011 e 2013.
Algo a observar em relação ao Guia Scrum é que a primeira versão foi disponibilizada apenas em 2010, embora sua disseminação já fosse efetiva através do meio acadêmico e das empresas difusoras do Scrum.
Atualmente, diversos gigantes utilizam métodos ágeis, como: Intel, Microsoft, Google, Nokia, Adobe, NSA, Yahoo, GE, … No livro Agile Project Management & Scrum QuickStart Guides, é possível encontrar a análise da utilização de métodos ágeis em diversos gigantes de tecnologia.
No governo Brasileiro, também já temos iniciativas ágeis em diversos órgãos, como:
Tribunal Regional do Trabalho Ceará (nós na fita mano), Serpro, Dataprev, Ministério Planejamento, Ministério da Educação, Banco Central, Tribunal de Contas da União, … Para mais informações sobre agilidade no Governo, acesse o Guia Ágil do Ministério do Planejamento. Também já existem diversos métodos ou frameworks ágeis, alinhados aos princípios e valores elencados no manifesto ágil:
- Scrum
- Lean Startup
- XP (eXtreme Programming)
- DSDM
- Crystal
- Sprint do Google Ventures
Atualmente, a agilidade, com seus valores e princípios, já é utilizada nas mais diversas áreas, como arquitetura, engenharia, startups, educação, recursos humanos e outras. Visite o site EduScrum, que utiliza Scrum em disciplinas escolares para crianças.
Uma recomendação final é para o Guia das Práticas Ágeis da Agile Alliance. Nesta página, você encontrará as principais práticas ágeis utilizadas nos principais métodos/frameworks ágeis. Vale uma leitura mais detalhada.
E você, já conhecia todas as correntes de conhecimentos presentes na trilha histórica da agilidade? Poste suas impressões nos comentários.
Espero que tenha gostado do artigo e até a próxima postagem.
Um forte abraço e até mais.
Postagem originalmente publicada em meu Blog Eu na TI: http://www.eunati.com.br/2016/02/historia-da-agilidade-e-do-scrum.html
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